O candidato a vice passa a preponderar, como foco de animação, sobre o candidato a presidente dos tucanos, enquanto o PT e Dilma tentam se desenrolar para desmentir as acusações bombásticas, sem dispor de antídoto forte contra elas.
Carente de proposta de programa inovador capaz de empolgar o eleitorado, o candidato da oposição José Serra, do PSDB, perdeu espaço relativo durante a semana para o seu vice, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), que criou fatos políticos retumbantes. Emergiu no noticiário com grandes doses de marketing eleitoral, como a denúncia que fez de ligação do PT e, consequentemente, sua candidata Dilma Rousseff às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), relacionadas, por sua vez, ao narcoterrorismo na Colômbia.
Índio matou dois coelhos com uma só cajadada: ofuscou Serra e encurralou Dilma. Pontificou como personagem da campanha eleitoral. O candidato a vice passa a preponderar, como foco de animação, sobre o candidato a presidente dos tucanos, enquanto o PT e Dilma tentam se desenrolar para desmentir as acusações bombásticas, sem dispor de antídoto forte contra elas.
Afinal, é público e notório que os petistas e as esquerdas em geral, ambientadas no foro de São Paulo, apóiam a luta política guerrilheira das Farc há muitos anos, embora estender a denúncia do estreitamento desse apoio à relação do PT/Dilma ao narcotráfico, como insinuou o parlamentar carioca, possa ser um exagero sem comprovações cabais. Denúncia vazia ou não?
Em tempo de eleições, as estratégias misturam o exagero e a moderação em doses excessivamente suplementares. Tudo fica valendo para se alcançar o essencial: os votos nas urnas.
Na prática, Índio agitou a campanha política conferindo-lhe doses ideológicas, o que não estava em cena até agora. A luta política, como diz Glauber Rocha, é luta ideológica. As próximas semanas prometem.
O agito político de Índio culminou com a implosão diplomática nas relações entre Venezuela e Colômbia, igualmente, por causa das acusações na OEA do governo colombiano de Álvaro Uribe contra o governo venezuelano de Hugo Chávez de que este abriga os guerrilheiros das Farc, na fronteira entre os dois países.
Não estaria havendo, portanto, como deixar de relacionar, no contexto de disputa eleitoral que vai se acirrando, a internacionalização continental das ações farquistas, tanto no Brasil como na Venezuela. Os adversários ideológicos dos guerrilheiros narcotraficantes não teriam melhor motivo do que este para explorá-lo na disputa eleitoral.
Assim, as denúncias estrondosas do deputado Índio da Costa sinalizariam relações políticas informais triangulares entre PT-Dilma-Lula/Farc/Hugo Chávez.
Como estão se sentindo os tucanos diante da ousadia do vice democrata?
Inicialmente, entraram em polvorosa diante dos fatos políticos inquietantes criados por Índio da Costa. As repercussões, contudo, foram fortes, ocupando as atenções gerais, tanto no país como na Venezuela, Colômbia e Argentina, onde elas se expressaram mais fortemente.
Chávez chegou a dizer que estaria havendo uma reação da direita sul-americana, notadamente, localizada, segundo ele, na Colômbia, em conluio com a direita, no Brasil, que tentaria voltar ao poder com José Serra.
Ou seja, Serra passou a ser projetado não pelo seu próprio discurso, mas pelas manobras eleitoreiras do seu vice, deputado Índio.
Em vez de moderar a ação de Índio, Serra, percebendo que a jogada do vice passara a dar ibope, embarcou nela, intensificando as denúncias e pedindo à adversária Dilma Rousseff que refutasse, para valer, o que considera evidente, ou seja, as relações PT-Farc.
Tais relações, por outro lado, de acordo com as cobranças de Serra, influenciariam, naturalmente, a estrutura de poder político na qual Dilma pretende preponderar, caso vença as eleições.
Nitroglicerina inconstitucional
Em entrevista a uma rádio no Rio Grande do Sul, Serra não apenas relacionou indiretamente Dilma ao movimento das Farc, como, igualmente, reiterou acusação de ação inconstitucional do governo de romper o sigilo da cidadania, com o episódio da espionagem realizada nos dados do imposto de renda do tucano Eduardo Jorge.
Seria outra forma de terrorismo, supostamente, praticada pelos petistas, visto que a identificação do crime se relacionaria a uma funcionária da receita que trabalha na região do ABC, em São Paulo, onde o PT reina politicamente. Nitroglicerina pura.
Dilma Rousseff, que, historicamente, se liga às lutas revolucionárias, na sua juventude, para combater o regime militar, apoiado por Washington, a fim de liquidar a experiência política nacionalista em ascensão, no Brasil, com Jango Goulart, herdeiro de Getúlio Vargas, ficou de saia justa com as denúncias de Índio, avalizadas por Serra.
Os petistas ameaçaram entrar na justiça contra o que considerou calúnia, mas, até agora, tentam fazer de conta que o soco indiano não bateu, para valer, no estômago, fazendo estragos.
Surpreendentemente, moderada diante do ataque, Dilma disse apenas que o adversário Serra é uma pessoa boa, bem intencionada e que estaria admirada quanto a ele lançar mão das armas ideológicas de acusação contra ela, insinuando identificá-la com guerrilheiros e narcotraficantes.
Vice ganha projeção eleitoral
O fato é que a campanha vai revelando fatos inusitados. Nunca antes nesse país, para repetir o presidente Lula, os candidatos a vice-presidência haviam ganhado tamanha projeção, depois que, a partir da Constituição de 1967, o vice deixou de disputar eleição por partido diferente do do presidente. Até 1964, de acordo com a Constituição de 1946, a eleição do presidente poderia se dar por um partido e a do vice por outro partido. Não havia vinculação entre ambos.
Jango Goulart, por exemplo, era candidato a vice pelo PTB em aliança com o candidato a presidente, general Teixeira Lott, do PSD. Lott perdeu para Jânio Quadro, da UDN, cujo vice derrotado foi Milton Campos, também, udenista. Goulart, disputando desvinculadamente do presidente o voto popular, levou.
Vinculação entre presidente e vice
A vinculação entre presidente e vice diminuiu, historicamente, a posição deste em relação àquele, passando a ser figuração, perdendo o eleitor, com as garantias constitucionais de que o vice representaria voto qualificado dele, no processo eleitoral.
A ditadura militar tomou-se de medo do vice, principalmente, depois da morte do general Costa e Silva, em dezembro de 1969, quando, então, os comandantes militares impediram que o vice, Pedro Aleixo, tomasse posse, pondo no seu lugar uma junta ditatorial.
A redemocratização, a partir de 1985, teria a emergência do vice José Sarney, do PDS, diante da morte de Tancredo Neves, do PMDB. Ambos, no entanto, disputaram, coligadamente, no colégio eleitoral, em eleições indiretas.
Já Fernando Collor e Itamar Franco ganharam com os votos em eleições diretas, mas, igualmente, coligados, pelas regras que romperam com as determinações constitucionais de 1946.
Em todo o processo, o vice-presidente, embora, potencialmente, poderoso, sempre se manteve silencioso, salvo obrigado a assumir, como foi o caso de Itamar, que se pontificou, historicamente, com o lançamento do plano real, apesar de os tucanos reagirem, até hoje, a essa evidência histórica.
O vice do presidente Fernando Henrique Cardoso, senador Marco Maciel (DEM-PE), que completou essa semana, 70 anos, representou, conforme FHC, o vice ideal. Ficou calado o tempo todo.
O mesmo não aconteceu com vice do presidente Lula, José Alencar, loquaz crítico dos juros altos, sem angariar sucesso com a sua cruzada antijurista. O titular do Planalto, contudo, não se incomodou. Ao contrário, utilizou Alencar como arma para frear as pressões dos petistas, adversários da política monetarista praticada pelo BC.
Qual será o comportamento dos futuros vices?
