TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ÓRGÃO ESPECIAL
PROCESSO ADMINISTRATIVO
Nº 0029675-23.2011.8.19.0000
REQUERENTE: EXMO. SR.
DESEMBARGADOR CORREGEDOR GERAL DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REQUERIDO: JUIZ DE
DIREITO
PAD - Art. 35 em seus incisos I
e VIII da LOMAN. PAD instaurado a partir de representação oferecida em face do
Dr. Juiz João Carlos de Souza Correa, onde noticia fato ocorrido em 14/02/2011,
cerca de 01:00h, onde a Representante trabalhava na denominada Operação Lei
Seca. Policiais sinalizaram para que o Magistrado parasse o veículo que
conduzia e, então, verificou-se que não portava a CNH e a documentação do
veículo, bem como que estava vencido o prazo para emplacamento. Do exame dos autos conclui-se que o
Representado, com seu proceder, não violou qualquer dispositivo da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura). A alegada violação ao inciso I do art. 35 decorre com toda certeza
de equívoco de quem o invocou. Quanto ao inciso VIII do art. 35 a análise
isenta e minuciosa dos autos às escancaras evidencia não ter o Representado
adotado postura que consista violação à exigida conduta irrepreensível pelo
Magistrado, tanto na vida pública como no particular. A Representante
limitou-se a dizer que confirmava o teor da representação e as declarações
prestadas em sede policial. Gize-se que não consta nem da assentada, nem de seu
depoimento, o registro de que fora lido para a Representante o que declarara em
sede policial. Resumindo: o depoimento da Representante não tem valor
probatório algum, porque nada explicita sobre os fatos! O M.P. opina pela
punição do Magistrado e, embora admita que há relatos de testemunhas
presenciais que noticiam conduta desrespeitosa, descortês e arrogante por parte
da Representante, finda por afirmar que tal conduta não se configurou.
Alegações finais apresentadas pelo MP, data vênia, não apontam que elementos
de prova presentes nos autos autorizam dita manifestação pela punição do
Magistrado. Não há adminículo de prova que autorize a assertiva de ter o
Magistrado violado deveres inerentes à Magistratura. Não houve resistência
alguma pelo Representado. Extrai-se da prova coligida que, retornando do
plantão judiciário da Comarca em que era titular, tinha no veículo vários
processos que estavam sob sua responsabilidade e daí ponderara que o veículo não
poderia ser levado dali direto para o depósito público, pois precisava retirar
os processos e acomodá-los em outro veículo. A partir de tal ponderação feita
pelo Magistrado, começou o comportamento desrespeitoso da Representante, manifestando-se
mesmo com expressões como “Juiz não é Deus” e adotando postura irônica e acintosa.
Cabe registrar que o Magistrado submeteu-se sem qualquer resistência ao exame
do “bafômetro”, tendo tido como resultado ZERO de álcool nos pulmões. A
hipótese é aquela prevista no art. 232 do CTB = conduzir veículo sem os
documentos de porte obrigatório (certificado de licenciamento anual; CNH;
comprovante de pagamento do IPVA e DPVAT), infração de natureza leve,
duplamente apenada com multa e retenção do veículo até a apresentação da
referida documentação. A conduta em que incidira o aqui Requerido tem natureza
leve e não realiza a figura típica do art. 309 do CTB, pois ali sim se trata de
quem é flagrado na direção de veículo sem ser habilitado para tanto. As
testemunhas Antonio Carlos, Robson Pires e Almir Peixoto fazem certo o comportamento
desrespeitoso da Representante para com o Representado. Contexto probatório reunido
nos autos evidencia não ter o Magistrado adotado qualquer conduta que constitua
violação ao decoro, ao pundonor ou aos deveres a serem observados pelos
integrantes da Magistratura. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR IMPROCEDENTE.
RELATÓRIO E VOTO NO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Nº 0029675-23.2011.8.19.0000
O presente PAD foi instaurado a
partir de representação oferecida por Luciana Silva Tamburini em face do Dr.
Juiz João Carlos de Souza Correa, onde noticia fato ocorrido em 14 de fevereiro
de 2011, cerca de 01:00h, onde a Representante trabalhava na denominada
Operação Lei Seca.
Informa que os policiais
militares sinalizaram para que o Magistrado parasse o veículo que conduzia.
Indagado se concordava em
submeter-se ao teste do bafômetro, aquiesceu, obtendo resultado de nível zero
nos pulmões. A seguir verificou-se que não portava a CNH e a documentação do
veículo.
Constatou-se, ainda, que estava
vencido o prazo para emplacamento. A seguir, apresenta a Representante sua
versão para os fatos, culminando por enquadrar a conduta do Magistrado
Representado em dispositivo da Lei de Abuso de Autoridade, qualificando os
fatos que noticia como “praticas tão danosas e que só denigrem a imagem do
Poder Judiciário” (fls. 03/05).
Com a inicial da Representação
vieram cópias de reportagens jornalísticas referentes ao Magistrado/Representado
(fls. 06/11) versando sobre assuntos diversos daquele tratado na Representação.
A testemunhal colhida
encontra-se às fls. 263 (Luciana): 264 (Leandro Carlou); 265 (Allan Frank das Silva);
266 (Marcelo Abel da Rocha); 267 (Sérgio Ricardo de Lima Alves); 269 (Alice);
270 (Antônio Carlos); 271 (Robson Pires); 276 (Almir Peixoto Freitas); 277/278
(depoimento do Representado).
Alegações finais do Ministério
Público = fls. 298/306.
Do exame do que os autos
constam conclui-se que o Representado, com seu proceder, não violou qualquer
dispositivo da LOMAN, relevando notar que imputava-se nesse feito a violação do
art. 35 em seus incisos I e VIII. E qual a letra do art. 35 e incisos I e VIII?
Art. 35 - São deveres
do magistrado:
I - Cumprir e fazer
cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos
de ofício;
VIII - manter conduta
irrepreensível na vida pública e particular.
A alegada violação ao inciso I
do art. 35 da LOMAN decorre com toda certeza de equívoco de quem o invocou.
E quanto ao inciso VIII do art.
35 a análise isenta e minuciosa dos autos às escancaras evidencia não ter o Representado
adotado postura que consista violação à exigida conduta irrepreensível pelo Magistrado,
tanto na vida pública como na particular. A leitura dos depoimentos colhidos
pelo culto Magistrado designado para tal (Juiz Alexandre de Carvalho Mesquita –
decisão do Des. Relator às fls. 198) espanca qualquer dúvida a respeito. -
Luciana Silva Tamburini (fls. 387) limitou-se a dizer que confirmava o teor da
representação e as declarações prestadas em sede policial. Mas em resposta à
pergunta formulada pelo representante do M.P. asseverou “que o tenente Carlos
ratificou integralmente a conduta da depoente no episódio”.
Gize-se que não consta nem da
assentada de fls.262, nem do depoimento de Luciana às fls.263, o registro de
que fora lido para a Representante o que declarara em sede policial. Tal
proceder caracteriza falha, d.v., por parte do Magistrado que presidia a coleta
de depoimentos, pois a inquirição sobre os fatos por ela noticiados era
obrigatória, até para que, com lastro em seu relato, fossem formuladas questões
que evidenciassem o que de fato ocorreu. Daí, resumindo-se o depoimento da
testemunha Luciana (cuja representação ensejou a deflagração desse processo
administrativo) a mera afirmação de que reiterava o que dissera anteriormente
(tanto na representação como em sede policial) o que se vê no “depoimento” de
fls.263 não tem valor probatório
algum, porque nada explicita sobre os fatos!
Tenente Carlos em seu
depoimento de fls. 388 asseverou: “que não se recorda de ter defendido a conduta
de Luciana para a autoridade policial”. E, igualmente, consignou-se que
reiterava o depoimento prestado em sede policial. Dito depoimento nada explicita sobre o que
realmente ocorrera.
Consta ainda que a
Representante Luciana contou com apoio na D.P. dos colegas e aqui testemunhas Leandro;
Allan Frank; Marcelo Abel da Rocha; Ricardo de Lima Alves. Verifica-se, pois,
em resumo, que em prol da funcionária que atuava na blitz da Lei Seca um
verdadeiro aparato de colegas compareceu à D.P., inclusive dois deles que nada
presenciaram, pois sequer estiveram no local dos fatos. Qual o motivo de serem,
via telefone, chamados? Prestar solidariedade à Luciana? Era necessária a
presença de colegas de trabalho da Representante? São indagações que restam sem
resposta, mas que evidencia a existência de aparato previamente ajustado para o
caso de desentendimentos quando da realização da blitz da Lei Seca, envolvendo funcionários
do Detran, policiais e motoristas “parados” na blitz.
O M. P. opina pela punição do
Magistrado e, embora admita que há relatos de testemunhas presenciais que
noticiam conduta desrespeitosa, descortês e arrogante por parte da
Representante Luciana, finda por afirmar que tal conduta não se configurou.
Em sua manifestação
final o representante do MP argui
em preliminar a inversão dos atos processuais, aduzindo que a manifestação do
MP em alegações finais deveria ser posterior às alegações finais apresentadas
pela defesa do Representado.
Quanto ao mérito, sustenta que
o Magistrado, ao se insurgir contra a informação de que seu veículo seria
apreendido e encaminhado ao depósito público, adotara comportamento inadequado
na vida particular.
Daí opina pela imposição de
sanção disciplinar adequada às circunstâncias do caso.
Examinadas as alegações finais
apresentadas pelo Ministério Público, data vênia, constata-se que
não apontam que elementos de prova presentes nos autos autorizam dita
manifestação pela punição do Magistrado.
O cotejo entre o teor das
alegações finais do MP e a prova reunida nos autos informa que não há adminículo
de prova que autorize a assertiva de ter o Magistrado violado deveres inerentes
à Magistratura.
A manifestação ministerial não
aponta elementos de prova que evidenciem proceder passível de reprimenda pelo
Juiz Representado.
Permito-me ter como vagas as
referências que diz o MP que demonstram sobejamente a necessidade de imposição
de sanção disciplinar. Refere-se à forma como reagira o Magistrado diante de
decisão de ser apreendido e encaminhado seu veículo ao depósito público. Mas
que prova dos autos permite
tal conclusão? As alegações
finais do MP nada apontam, no particular.
Tenho por equivocada a análise
consignada no último parágrafo de fls.429, porque não houve resistência alguma pelo
Representado e isso se afirma com lastro na testemunhal produzida nos autos, em
especial, os depoimentos das testemunhas Antônio Carlos da Silva Macedo; Robson
Pires Vianna e Almir Peixoto Freitas, todos amplamente favoráveis ao
Magistrado.
Vejam-se os depoimentos de cada
qual:
“... que quando por ocasião dos
fatos o depoente se encontrava parado na operação Lei Seca, uma vez que presta
serviço de segurança para a testemunha Sueli e seu carro estava sem documentos;
que Sueli chamou sua atenção pela forma como a testemunha Luciana se dirigia ao
representado, mormente pelo fato do mesmo ser um juiz; que acredita que Sueli
soubesse que o representado era juiz em razão do mesmo ter se identificado; que
ao que se recorda o veículo do representado estava sem placa; que não se
recorda se o representado estava ou não sem habilitação (...) que se recorda de
Luciana ter dito ao representado que, como juiz, deveria conhecer a lei; que
Luciana se comportava de forma irônica para com o representado; que se recorda
do representado ter dito a Luciana que estava com vários processos de sua
responsabilidade dentro do carro, e que se algum deles sumisse lhe daria voz de
prisão; que o tratamento dado pelo representado a Luciana era respeitoso”. (Antônio Carlos da Silva Macedo – fl. 270).
“... que a testemunha Luciana
estava tratando o representado de forma irônica e sem educação; que em contra
partida o tratamento dado pelo representado para Luciana era de extrema
educação; que o tratamento dado por Luciana era descortês não apenas pelo fato
do representado ser juiz, mas assim seria em relação a qualquer pessoa; que em
momento algum o representado perdeu o controle; que não houve determinação do
representado para que Luciana fosse na viatura policial para a delegacia”. (Robson Pires Vianna – fl. 271).
“... que em alguns momentos os
funcionários do DETRAN que trabalhavam na Lei Seca se mostraram arrogantes; que
o comportamento do representado para com os mencionados agentes sempre foi de
cortesia (...) que a funcionária do DETRAN, cujo nome não se recorda, disse que
o representado era Juiz, mas não era Deus...”. (Almir Peixoto Freitas – fl. 276).
Extrai-se da prova coligida
que, retornando do plantão judiciário da Comarca em que era titular, tinha no
veículo vários processos que estavam sob sua responsabilidade e daí ponderara
que o veículo não poderia ser levado dali direto para o depósito público, pois
precisava retirar os processos e acomodá-los em outro veículo. A partir de tal
ponderação feita pelo Magistrado, começou o comportamento desrespeitoso da Representante,
manifestando-se mesmo com expressões como “Juiz não é Deus” e adotando postura irônica
e acintosa.
Impressiona igualmente a
chegada ao local dos fatos da imprensa, como sempre acontece, aliás, quando o
motorista parado na blitz da Lei Seca tem algum entrevero com seus integrantes.
Basta para a imprensa ser chamada ao local ser o motorista Magistrado ou
Artista. A exposição indevida e abusiva da imagem e do bom nome da pessoa logo
é providenciada pelos que da blitz participam.
Conduta reprovável e que
deveria ser evitada pelo servidor público que não tem o direito de convocar a
imprensa para expor à execração quem quer que seja.
As alegações finais do
Magistrado encontram-se às fls.310 a 316,
aduzindo não restar configurada qualquer violação a dispositivos da LOMAM e
que, por via de consequência, a improcedência do processo administrativo
disciplinar é a única solução possível.
Examinando-se os autos
constata-se que o Magistrado submeteu-se sem qualquer resistência ao exame do “bafômetro”.
O resultado foi ZERO de álcool nos pulmões. E, como já se disse, noticiam os
autos a resistência dos agentes participantes da blitz da Lei Seca em fornecer
ao Magistrado o resultado do exame procedido por ele.
A informação prestada pelas
testemunhas de nome Leandro e Luciana dando conta que a apreensão do veículo se
deu em razão de estar dito veículo em situação irregular (licenciamento
provisório vencido)
A hipótese é aquela prevista no
art. 232 do CTB = conduzir veículo sem os documentos de porte obrigatório
(certificado de licenciamento anual; CNH; comprovante de pagamento do IPVA e DPVAT).
Infração de
natureza leve, duplamente apenada com multa e
retenção do veículo até a apresentação da referida documentação.
Na obra “Comentários ao Código
de Trânsito Brasileiro”, ed. Revista dos Tribunais, 6ª edição, p.480, assim
analisa Arnaldo Rizzardo o teor do art. 232, caput:
“Conduzir veículo sem
os documentos de porte obrigatório referidos neste Código.
Infração: leve
Penalidade: multa
Medida
administrativa: retenção do veículo até a apresentação do documento.”
Vê-se, portanto, que a conduta
em que incidira o aqui Requerido tem natureza leve e não realiza, de modo
algum, a figura típica do art. 309 do Código de Trânsito, pois ali sim se trata
de quem é flagrado na direção de veículo sem ser habilitado para tanto.
Esclareça-se que a testemunha
Allan Frank da Silva (fls. 265) informa que chegou ao local da blitz da Operação
Lei Seca atendendo chamado por telefone por Leandro Carlos porque há
necessidade da presença de um oficial da PM na operação Lei Seca e “o depoente
se dirigiu para cobrir a ausência da testemunha Leandro Carlos”. Ou seja, de
ciência própria, nada sabia.
O mesmo se diga quanto à
testemunha Marcelo Abel da Rocha (fls. 266) que informa “o depoente foi chamado
por telefone pela testemunha Leandro Carlos”.
Em resumo: a nada assistiu,
pois chegou depois.
A testemunha Sergio Ricardo de
Lima Alves (fls. 267): admite estar presente na operação, mas que foi o
coordenador militar que acompanhou o procedimento envolvendo o Representado do
início ao fim e que ele só acompanhou a ocorrência da metade para o final.
Já o teor dos
depoimentos das testemunhas Antônio Carlos da Silva Macedo (fls. 270); Robson Pires
Vianna (fls. 271) e Almir Peixoto Freitas (fls. 276) fazem certo o
comportamento desrespeitoso da Representante para com o Representado.
Ante o exposto à vista
do contexto probatório reunido nos autos que evidencia não ter o Magistrado
adotado qualquer conduta que constitua violação ao decoro, ao pundonor ou aos deveres
a serem observados pelos integrantes da Magistratura, a única solução possível in casu é julgar-se IMPROCEDENTE o
processo administrativo disciplinar.
É o voto.
Rio de Janeiro,
12 de Agosto de 2013.
Desa. GIZELDA
LEITAO TEIXEIRA
Designada para o
acórdão