O artigo 6º da
Constituição Federal, ao disciplinar os direitos sociais, elege a saúde como um
dos valores considerados como essenciais pelo ordenamento jurídico, nitidamente
atrelado também à proteção do ambiente. Tanto que no artigo 170 estabelece que a
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, observado o
princípio da defesa do ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação.
Mais adiante,
reza a Constituição, no artigo 225, que todos têm direito ao ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida. Portanto, o direito à saúde e ao ambiente, sem dúvida, são
direitos assegurados à sociedade. O que os caracteriza como essenciais, cabendo
à coletividade e poder público a sua proteção.
Nesse sentido,
o governo federal, diante das inúmeras dificuldades que surgem em virtude da
utilização desenfreada dos recursos naturais não renováveis, do aumento do
consumo de produtos industrializados, do crescimento incessante das populações e
do volume de resíduos gerados, instituiu, por meio da Lei Federal nº 12.305, de
2010, posteriormente regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.404, de 2010, a
Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS).
No campo dos
incentivos para aplicabilidade da norma, vale destacar "os incentivos fiscais,
financeiros e creditícios", cujas análises e iniciativas deverão ser dadas pelo
poder público a fim de provocar e incentivar a implementação dos procedimentos e
objetivos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos e, assim, minorar os
prováveis impactos econômicos que recairão na iniciativa privada.
A Lei Federal
nº 12.375 estabelece que "os estabelecimentos industriais farão jus, até 31 de
dezembro de 2014, ao crédito presumido do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) na aquisição de resíduos sólidos utilizados como
matérias-primas ou produtos intermediários na fabricação de seus produtos." Até
aqui andou bem o poder público, incentivando a reutilização e reciclagem de
produtos sólidos utilizados como insumos no processo produtivo, em prefeita
sintonia com os comandos constitucionais.
O tratamento diferenciado desestimula certos setores da
economia
Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define resíduos sólidos como sendo resíduos
nos estados sólidos e semi-sólidos, que resultam de atividades da comunidade, de
origem: industrial, doméstica, de serviços de saúde, comercial, agrícola, de
serviços e de varrição. Consideram-se também resíduos sólidos os lodos
provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos
e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos, cujas
particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou
corpo d'água, ou exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis
em face à melhor tecnologia disponível.
O problema
surge quando a própria lei delegou ao Executivo a regulamentação de quais os
materiais entendidos como resíduos sólidos são passíveis de viabilizar o direito
ao crédito presumido de IPI. O decreto federal define resíduo sólido como sendo
os materiais, substâncias, objetos ou bens descartados resultantes de atividades
humanas em sociedade. Definição bem ampla, que compreende inúmeros materiais que
podem ser inseridos novamente no ciclo da produção industrial.
Mas, de forma
extremamente restritiva, elenca, com base na referida definição, quais são os
resíduos sólidos capazes de proporcionar o incentivo fiscal, sendo eles: os
oriundos de produtos de plástico, papel, vidro, ferro fundido, ferro, aço,
cobre, níquel, alumínio, chumbo e zinco, deixando de lado outros tipos resíduos
de importância, como resíduos de óleos, borrachas, solventes, da construção
civil, madeira, bagaço de cana, areia de fundição, minerais não metálicos,
matérias têxteis, entre outros.
Conforme o
tipo de resíduo, o decreto estabelece que o crédito presumido será calculado com
base no percentual de 50% a 10% aplicado sobre o valor da aquisição para cálculo
do crédito, conforme a alíquota prevista na TIPI para o produto final resultante
da fabricação. Há, portanto, tratamento diferenciado entre os diversos resíduos,
o que não estimula certos setores da economia.
O caso das
aparas de plástico e vidros, por exemplo, que contam com o percentual de 50% de
base de cálculo do crédito presumido, enquanto que os resíduos de alumínio
contam com um percentual de 10%. Provavelmente, quis o legislador fomentar maior
reciclagem/reaproveitamento para os resíduos de aparas de plástico e de vidro,
uma vez que o resíduo de alumínio possui alto nível de reciclagem por possuir
valor expressivo em virtude da procura de mercado e, além disso, origina-se de
matéria-prima sabidamente não renovável (bauxita).
Outro problema
é que o crédito presumido será calculado mediante a aplicação da alíquota
constante na TIPI a que estiver sujeito o produto final resultante do
aproveitamento dos resíduos sólidos. Como na TIPI há produtos com conotação não
tributados ou tributados com alíquota zero, não será possível a utilização do
crédito presumido.
Mais grave
ainda é a vedação do crédito na hipótese de o produto final que contenha resíduo
sólido ser objeto de saída com suspensão, isenção ou imunidade, e, ainda, a
utilização do crédito presumido do IPI somente com o próprio IPI a pagar,
afastada a possibilidade de compensação com outros tributos federais, o que
desestimula a aplicação da PNRS.
É tímida e
restritiva a iniciativa da União em alavancar a utilização do instrumento ligado
aos incentivos fiscais na área do IPI por meio do referido decreto federal. E
não confere eficácia plena à Constituição que determina a proteção do ambiente e
à lei que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólidos.
Fonte: Milton Fontes e Victor Penitente Trevizan