domingo, 17 de outubro de 2010

Fé e Política: duas faces da mesma moeda

Está caloroso, com requintes de hipocrisia, o debate religioso nesse segundo turno das eleições presidenciais. É um imenso equívoco, num momento de tanta paixão, discutir questões que tangem o campo da ética e da moral. Não obstante, o discurso substantivo da relação entre fé e política poderia compor o cenário das discussões.
Frei Betto, dirigido-se aos cristãos envolvidos nos movimentos engajados nas lutas sociais e políticas, escreveu um artigo que trata do tema acerca das dificuldades de interação entre essas duas dimensões da vida cristã: a fé e a política. O autor observava que ainda predomina entre nós, os cristãos, a idéia de que a mística, ou seja, a vivência da fé, nada tem a ver com a ação política. Fé e política seriam como dois elementos que se repelem; água e óleo; ou seja, não se misturam.
Para entender essa separação, exemplifica o autor, basta observarmos como vivem os místicos e os políticos: “os místicos, trancados em suas celas contemplativas, nas clausuras, aparentemente alheios aos problemas sociais, absorvidos em seus exercícios ascéticos, indiferentes às discussões políticas que se travam em volta deles. Já os políticos, vivem consumidos por infindáveis reuniões, correndo contra o relógio da história, mergulhados no redemoinho de reuniões, de análises e de decisões que saturam o tempo e não abrem espaço sequer ao convívio familiar, quanto mais à meditação e à oração”.
A vivência da fé, escreveu Frei Beto, “está imbuída deste conceito de que o ser contemplativo dá as costas ao mundo para colocar-se diante de Deus. Todavia, não é no Evangelho que se encontram as raízes desse modo de testemunhar Deus, mas sim em antigas religiões pré-cristãs e nas escolas filosóficas gregas e romanas, que proclamavam a dualidade, ou seja, a separação inconciliável entre alma e corpo, entre o que é natural e o sobrenatural, entre o sagrado e o profano”.
Fé e vida, Evangelho e realidade são duas faces da mesma moeda. O cristão por ação, por consciência, por conveniência ou omissão sempre age politicamente. Todo ser humano é político por excelência.
Refiro-me aos cristãos, mas acho que todos aqueles e aquelas que crêem são comprometidos com a vida e compreendem o que significa a fé em conexão com a política: arte da busca e da realização do bem comum. Afinal, política é ação transformadora de homens e mulheres na realidade onde estão inseridos. Assim, a vivência da fé e a ação política estão nas comunidades, nas associações, nos grupos, nos sindicatos, nos partidos políticos, na sociedade e no Estado.
Política com fé é baseada nos princípios dos direitos humanos e acontece na igreja, na comunidade, no sindicato, no partido, no grêmio, na mídia, no judiciário, no executivo, no legislativo e entre as nações.
Para realizar a cidade de Deus aqui na terra temos que necessariamente construir a cidade dos homens e das mulheres. Ou seja, colaborar com a construção de uma nova terra, um mundo mais justo e mais fraterno, onde a felicidade seja para todos, não para um grupo ou minoria. Direitos para todos. Para isso, é preciso que os cristãos vejam com olhos bem abertos, julguem e avaliem com conhecimento, com métodos, com críticas construtivas e depois ajam, engajando-se de maneira consciente e organizada para mudar a realidade.
A política abre para os cristãos a possibilidade de participação densa e efetiva na caminhada do povo; daqueles que estão excluídos de tudo e, às vezes, são objeto de manipulação política e religiosa – principalmente nos discursos esquizofrênicos e radicais de alguns grupos que se dizem religiosos.
A fé que é engajada, a fé da mística cristã, é aquela que busca a ética na política; que constrói, com ação (e não com discursos fundamentalistas), a cidadania, exigindo melhorias nas políticas públicas.
Se os candidatos querem demonstrar que têm fé, fé na vida, que tal apresentarem claramente suas propostas nessas áreas para a população!

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